sábado, 28 de julho de 2018

Tabuleiro - Via Torres del Pânico

Parque Natural Municipal do Tabuleiro

Relato da escalada pela Via "Torres del Pânico" 

~300mts 8B VIIIc E2 D3/D5 mista


Era uma última semana de julho, auge da temporada de escalada no Brasil, o tempo era bom: frio e seco; já se passavam semanas ou meses sem chuva em Minas Gerais. Finalmente o Fred Moreira e eu conseguimos nos organizar e fechar o plano de tentar repetir a via "Torres del Pânico". Seria minha primeira vez escalando no Tabuleiro, o Fred já havia ido outras 3 vezes - sendo uma delas nesta mesma linha - além de investidas para conquista das novas linhas nos pontões das laterais do paredão principal, as quais estão em franco desenvolvimento atualmente.

Organizar empreitadas deste tipo nunca é tarefa fácil, é necessário estar bem fisicamente, ter confiança mental suficiente, condições climáticas favoráveis e dentre outras coisas também a disponibilidade de tempo - ainda mais para escalar em dias de semana como exige o parque municipal do Tabuleiro, medida tomada devido ao risco de queda de pedras no grande número de banhistas que frequentam o poço da cachoeira durante o fim de semana). Mas enfim.. escalar aquele paredão era um sonho antiquíssimo para mim, a imensidão da parede cortada pela linda queda d'água são motivos de sobra para desejar viver a experiencia intensa de se comprometer pedra a cima, jogando com o equilíbrio mental e doando toda energia física para aquele ambiente natural surreal.

Figura 1: Foto do paredão da cachoeira do Tabuleiro na época do verão: queda d'água forte e vegetação verde intensa. A linha em amarela é da via Hidronotopo, enquanto a vermelha marca o traçado da via "Torres del Pânico"

Crédito original da foto: Texto da Nereida Rezende no blog extremos: http://www.extremos.com.br/Blog/Nereida_Rezende/170118_nereida_no_tabuleiro/ 

Preparação e ida BH->Tabuleiro


Saímos numa quinta a tarde de Belo Horizonte, sem nenhuma pressa.. passamos pelo Cipó, enrolamos um pouco com os amigos e depois seguimos para o Tabuleiro (~1,5hrs de BH->Cipó e +~1,5hrs do Cipó->TABU). Chegando na vila tomamos uma cerveja num buteco bem massa, o qual tinha o teto todo decorado com aqueles artesanatos de "apanhador de sonhos" - bom sinal para nós, afinal, era justamente o que estávamos tentando fazer. O pessoal do bar nos indicou uma janta caseira incrível na vila do Tabuleiro, restaurante na casa da Fátima se não me engano, abre todo dia da semana pelo menos até as 20hrs.

Após comermos, seguimos pra portaria do parque, chegando lá por volta das 21hrs. Fomos muito bem recebidos, entregamos o termo de compromisso - obrigatório para todos que vão praticar a escalada - link para acesso ao termo de liberação para esportes de aventura no Tabuleiro: https://drive.google.com/open?id=1DGDVCTLExy4S-v8VmNnFnUC0VCCJTu53 . Como de costume para qualquer um que vá escalar, o pessoal do parque liberou nossa pernoite na varanda próxima aos vestiários. Isto permite uma ótima logística de ataque ao cume, pois ao acordar, é só tomar um café rápido e já está com o pé na trilha.

Havíamos levados crashpads para utilizarmos como colchão, saco de dormir por cima e pronto! Pernoite privilegiada com a lua enorme iluminando toda a silhueta do relevo. A imensidão da parede estava logo ali, era possível visualizar toda sua extensão sombreada, mas nenhum detalhe era revelado.

escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 2: Quarto 5 estrelas na sede do parque municipal do Tabuleiro, alegria dos escaladores. Fredão organizando o equipo e crashpads prontos para dormirmos.

Antes de dormir separamos todo o material necessário para a investida, deixamos o café da manhã semi preparado e as mochilas de ataque prontas com frutas, doces, paçoca e água. Optamos pelo plano de agilidade máxima, sem intenção de passar a noite na rocha. Levamos de equipamento coletivo:

  • 2 cordas de ~70mts, 
  • 1 jogo de friends, 
  • 18 costuras (dentre curtas e longas), 
  • 1 canivete suíço (aulas do mestre Gustavo Vianna, nunca faça uma parede sem um canivete). 
  • 1 grigri,
  • 1 roldana micro traxion (para o guia içar as mochilas após concluir cada enfiada - Muito útil), 
  • 1 T-block (caso fosse necessário vencer algum lance blocando pela corda), 
  • 2 cliffs (para emergências no caso de precisar vencer algum lance duro, mas no momento que foram solicitados, não encontramos eles na mochila)
  • 1 mochila camelback bem pequena com 1,5 litro d'água e guloseimas de rango
  • 1 nalgene com 1,4lts d'água,
  • 1 mochila ataque 22lts (pra levar o rango inicial, tênis e guardar os móveis depois da enfiada mista do início).
De Equipamento individual, levamos:
  • 1 fifi hook, 
  • 1 kit parada, 
  • Solteira, cadeirinha, sapatilha e magnésio
  • head lamp, 
  • ATC reverso,
  • Prussick 
  • 1 segunda pele e 1 corta vento.
  • capacete
escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 3: Parte do equipamento utilizado para a escalada. Detalhe no micro traxion, que ajudou muito a içar as mochilas, e também na fifi hook, o qual agiliza muito nas "pedidas pra travar" durante as guiadas.

Inicio da atividade: trilha


O despertador tocou as 5:00 da manhã, era 27 de julho, logo começou o som do fogareiro pra quele café preto rapidex, de resto era pão e umas frutas, nada de panela, guardamos tudo que não seria usado dentro do carro e as 6:00 hrs iniciamos a caminhada. Descemos já vestidos com a cadeirinha, até capacete eu já fui vestido.. mochila, corda passada no pescoço e simbora! os primeiros raios de sol já dispensava uso da headlamp. Às 6:45 alcançamos o poço da cachu, onde contemplamos a beleza magnífica do local e tentamos reconhecer o esboço da linha que iríamos escalar. Santa mãe natureza!


escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 4: Iniciando a trilha. 6 da matina em ponto.


escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 5: Base do poço. foram 45 minutos de caminhada a partir da sede do parque. No traçado está a linha da via Torres del Pânico e minha sugestão de graduação aproximada das enfiadas.

Primeira parte da escalada: Base até o platô principal

Demos a volta no poço caminhando pela direita e por volta das 7:00hrs o Fred começou a guiada do 5º grau de aproximação (foto 6). Este é o primeiro contato com a escalada no Tabu: é uma chaminé duns 5 metros de altura seguida duma travessia lateral para a esquerda de ~20 metros, bem tranquila,  terminando no pequeno platô onde inicia-se o maravilhoso 7B misto. Após o sétimo grau, vem um 6º grau móvel exposto de ~20mts, em diagonal direita na direção óbvia do platô principal, o de bivaque. 

Estas 3 primeiras enfiadas podem ser feitas com apenas duas paradas, o ideal é emendar a 2ª na 3ª. A chegada no platô principal marca mais uma etapa da aventura, até aí o percurso é o mesmo da "Hidronotopo", a qual é a via de escalada mais famosa do Tabuleiro. A partir deste platô, a "Hidronotopo" segue em linha reta/diagonal esquerda, enquanto a linha da "Torres del Pânico" segue cerca de 20/30mts para a direita após uma travessia feita apé, acima da cozinha principal do platô, 

Foto 6: Fred iniciando a primeira guiada. o 5º de aproximação que dá acesso ao primeiro pequeno platô.

escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 7: Eu guiando o 7B móvel incrível. Esta enfiada, pode ser emendada com o 6º grau mostrado na próxima foto. Agilizando a chegada no platô principal.



escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 8: Fred chegando no platô principal. Escalando a travessia 6º grau.

Descrever o 7B misto que dá acesso ao platô principal é fácil: O prazer da escalada! agarras boas, técnica de diedro incrível, crux diluído.. remadas em lacas e fendas laranjas e amarelas. Os móveis se concentram na primeira metade da via, logo as chapas vão aparecendo e o uso dos friends torna-se esporádico. Costuras de fitas bem longas ajudam a emendar o 6º grau móvel que vem na sequência. Vale muito a pena juntar estas duas enfiadas, pois o 6 grau é muito curto.. uns 20 metros.. encontrei duas posições pra protege-lo em móvel.. é exposto mas é fisicamente mais tranquilo se comparado com a sequencia anterior do sétimo grau.



escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 9: Cozinha oficial do platô do bivaque. Logo atrás de mim, no chão, está a fogueira de preparar o café do bivaque.

A fenda horizontal ao lado do Fred oferece boa proteção contra o vento e até chuva. Os copos e isolantes jogados pelo chão parecem ficar constantemente por lá.

Nesta foto, é possível ver claramente a primeira chapa da seção de oitavos grau da "Torres del Pânico" acima da minha cabeça à direita esta a primeira chapa. O Fredão ia se preparando.. era a vez dele de guiar!

O sexto grau termina no platô principal do Tabuleiro, o qual faz uma espécie de marquise em boa parte do paredão próximo a queda d'água. Não é uma lage tão perfeita ao ponto de permitir caminhar por de trás de toda queda d'água, mas na porção que se chega,é bem amplo, possui inclusive uma boa parte protegida do vento e até mesmo de chuva. Dormir ali é certamente uma experiencia privilegiada.

Segunda parte da Escalada: Seção 8º grau da via

Esta segunda parte da via difere bem da etapa até o platô principal. A partir daí são mais três 8ºB/C, um 7C e mais o 8C do final. As proteções são todas fixas, no entanto utilizamos um friend numa passada do terceiro 8B/C. A escalada é no geral bem protegida, mas a vontade de vacar é sempre zero, principalmente no diedros com colunas de pedra por todos os lados e também nas seções onde o escalador muda de face na rocha e a corda vai em diagonal pelas arestas.

Para chegar no ponto exato de saída do primeiro 8º, deve-se caminhar uns 20/30 metros a pé para a direita, contando a partir da parada do último 6ºgrau; passando inclusive por uma faixa do platô que exige mais cuidado na caminhada, perto de um desfiladeiro, mas nada de mais. Não é necessário proteção com corda para se caminhar no platô. Depois de caminhar basta subir no "mezanino de pedra", local da cozinha+quarto oficial do bivaque (foto 10).

A partir da cozinha (foto 9) inicia a primeira enfiada de 8º grau da via, e era a vez do Fred guiar. Era mexatamente 9:10 quando ele iniciou a enfiada, a qual foi muito responsa: Logo o primeiro movimento já é duro, e os primeiros 10 metros são bem complicados.. com alguns regletes pequenos e movimentação complicada em diedro.. depois dá uma certa melhorada, mas logo de repente as placas de quartzito mudam de laranja pra rosa, e os crux recomeçam.. um deles exigindo um pé alto e uma colocada pra jogo. O Fred fez esse lance utilizando um belo calcanhar de boulderista de Ouro Preto.. eu olhei pra Mythos no meu pé e torci pra haver uma alternativa sem calcanhar.

Foto 10: árvore que marca o lugar de subir pro mezanino da cozinha principal + local de dormir do bivaque.


escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 11: Visão em primeira pessoa do meu grigri na segue do Fred na primeira enfiada de 8º grau da Via "Torres del Pânico". A corda verde era a corda guiada pelas proteções, enquanto a azul era nossa corda retinida. Este 8º era longo, vertical.. lindo de mais.. a vontade que dar é de passar uns dias no platô escalando até fazer com perfeição.
O Fred e eu fizemos um esquema bom de escalada: levamos equipamentos, comida e roupa de frio somente para um dia. Não poderíamos passar uma noite na parede, acredito que as blusas de frio que levamos não seriam suficientes para uma pernoite gelada sob vento. Não levamos nut's nem jumar, isto implicava em termos que escalar no mínimo entre cada uma das proteções. O T-block seria nosso recurso em casos isolados onde não conseguíssemos vencer algum lance e precisássemos de uma ou outra blocada pela corda. O T-block de toda forma só vale a pena ser usado se de fato não há outra opção, pois blocar e subir por ele na corda em muitos casos é mais extenuante do que escalar. 

Caso desistíssemos de chegar ao cume, ou algo de certa forma desse errado, poderíamos rapelar em qualquer ponto da via; a "Torres del Pânico" é até mesmo considerada o "rapel oficial do cume", sendo a linha mais vertical e com menos diagonais ao longo das enfiadas.

Escalávamos com duas corda de ~70mts: a corda principal de escalada, conectada nos dois escaladores e utilizada nas proteções, além de uma 2ª corda, sempre retinida entre o guia e a última parada - esta última seria utilizada no caso de rapelarmos ou do cume, ou do meio da via em caso de desistência - é possível optar por uma única corda, mas isto implica na obrigação de sair pelo cume. Ao final de cada etapa, após armar a parada e se solteiras, o escalador guia utilizava a corda retinida para içar as mochilas através da roldana "micro traxion" (esse beta do Fred foi bom de mais, pois a roldana só libera o giro da corda pra um dos lados o que torna fácil a transferência do equipo entre uma parada e outra). Nós dois estávamos escalando sem mochila, e isso era bom de mais pro desenvolvimento nos lances.


escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 12: Vista da cachoeira na cozinha do platô do tabuleiro. Momento durante a segue do Fred na primeira enfiada de oitavo grau da via "Torres del Pânico"

Eu fui segundo nesta nossa terceira enfiada, e já fui logo tomando umas quedas nos regletes dos primeiros 10 metros. As duas quedas representaram logo um "fica esperto mermão" na minha moral. Respirei pouco entre cada queda voltando rapidamente pra escalar novamente. Isso denunciava minha ansiedade. A ansiedade e o medo eram meu principal foco no processo.. todo o comportamento é fortemente dependente da forma como lidamos com a ansiedade e o medo. O mais importante durante as horas de escalada era conseguir controlá-los, pois, toda a parte física já havia sido preparada nos anos de treino, escalada e no planejamento dos dias anteriores. Durante as horas escalada temos é claro que  nos atentar em economizar energia física o máximo possível, mas o controle das emoções é sem dúvida a peça chave de todo processo.

Cheguei na parada junto ao Fred, executei nosso processo: solteirar, beber água, se posicionar pra saída da próxima enfiada, pegar costuras, organizar a saída da corda, pegar a roldana e deixar o T-block pro participante. As mochilas seriam novamente içadas por mim quando eu terminasse a enfiada, utilizando a retinida+roldana.

Nossa 4ª enfiada era o segundo oitavo grau do percurso. Eu fui guiando e já tomei logo um bom espanco nos primeiros moves... lances de oposição com batentes rasos.. movimentação complicada e perto ainda da parada. Minha vontade de vacar era zero.. ali naquele momento a brecha para a dúvida ganhou espaço.. dúvida se conseguiríamos ou não concluir todas as enfiadas.. comecei a imaginar alguma sequência de lances que não conseguiríamos passar.. e naquele momento achávamos que tínhamos esquecido os clifs pra trás, pois o Fred havia requisitado ainda no primeiro 8º e eu não tinha achado eles dentro da mochila de jeito nenhum.

A sensação da dúvida é péssima pro desempenho, no entanto, havia muito dia pela frente e a energia física ainda estava em alta, não era hora de forma alguma em pensar de forma negativa. Aos poucos minha movimentação foi fluindo um pouco melhor, os crux dessa enfiada se concentravam mais no início, daí minha evolução foi melhorando junto com o alivio gradativo do fim desta parte. O fifi hook foi um item que ajudou muito na progressão ao longo da via. Durante a guiada, nós o utilizávamos para nos travar nas costuras ou até mesmo nas chapas se necessário. Isso evita depender do seg pra travar a corda com o freio e também na hora de retornar a escalar, em casos onde a comunicação é ruim, isso é ainda mais vantajoso.

escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 13: Eu guiando o 2º oitavo da via "Torres del Pânico". Na foto aí da pra ver bem o querido "fifi hook" me travando no mosquetão de baixo da costura. Descansar dessa forma no meio da enfiada é bem mais ágil e confortável pros 2 escaladores.


Foto 14: Fred analisando os lances do final do segundo oitavo grau da via Torres del Pânico. Após esta parada, restam ainda 1 8B/C, um 7C e um 8C.



escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 15: Detalhe da Parada no final do segundo oitavo grau da via Torres del Pânico. A parada é logo abaixo dum teto e a próxima guiada si pela lateral esquerda. A primeira proteção é aquele pequeno chifrinho lá na extrema esquerda abaixo do teto, bem numa quina pequena. Bem adrenante passar esta primeira. O Fred que guiou esta e passou veneno.

Era cerca de 12:30hrs quando cheguei nesta parada. A próxima enfiada, nossa 5ª, era mais um 8º grau duro. Após essa saída adrenante por baixo do teto, a via vira numa placa lateral bem vertical e plana, a escalada é em batentes e pequenas fendas verticais. Batentes que você nunca sabia se seriam bons agarrões ou abaolados vacantes. Num momento desta enfiada o Fred decidiu buscar umas opções de friends através da corda retinida, pois ele não conseguia ver a próxima chapa e lançou mão de um friend nº3 ou nº2 numa fenda para garantir a proteção. O final desta enfiada é bem capcioso, você tem que subir num conjunto de torres, é como abraçar uma geladeira, e no fim dar o tapa na borda do final: Hard e linda esta parte. 

escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 16: Fred e eu na parada em cima das das torres. Rindo de adrena da situação kkkkk

Foto 17: ângulo oposto do mesmo momento da foto 16

Cheguei na parada desta nossa 5ª engiada numa alegria incrível. Minha motivação ganhou um ânimo total pensando que faltavam apenas 2 enfiadas: um 7C e um 8C. Não era pouca coisa, mas a árvore que marca o cume da via já era plenamente visível. Esta árvore é um ponto marcante da linha, pois praticamente em toda escalada após o platô você consegue enxergá-la, isso motiva.

Me lancei logo na guiada do 7C. Toda esta seção da via: desde da última metade da nossa 5ª enfiada e por todo o 7C da 6ª enfiada; o nome Torres del Pânico faz muito sentido, pois, a linha da via segue por uma faixa amarela do quartizito, mas toda a parte esquerda é feita por torres de camadas grossas de pedra descoladas do maciço principal, abrindo fendas por fendas e formando torres. São as casas dos diversos morcegos que vivem por lá, os quais gritam conosco o tempo todo durante a escalada. Alguns lances te faz usar alguns blocos nessas torres, mas não é muito necessário ir pela esquerda mais podre. Principalmente no crux desta enfiada, onde dá uma vontade grande de tentar utilizar grandes bicos que saem da lateral esquerda, mas a sensação de sair da linha da via é muito clara. Esse lance acaba atraindo algumas pessoas pra essas agarras meio podres na esquerda, mas fazendo reto, usando os regletes do meio da placa amarela e uma pequena fenda pouco longe e alta para a mão direita  faz você vencer bem o lance sem ter que se arriscar na lateral duvidosa.

No meio da enfiada o Fred me gritou e falou pra eu olhar pra cima e ver as águias. Eu já havia ouvido falar das águias no Tabuleiro, mas não tinha noção do tamanho daquelas aves. Uma delas estava pousada na árvore que marcava o fim da via (dá pra ver ela na foto 17 abaixo), e havia uma outra voando. Não era nem bem voando, pois ela sequer batia as asas.. ficavam o tempo todo com elas abertas.. surfando através das rajadas de vento. Como disse o Fred, aquilo lá era o sinal. Fomos abençoados ali.

escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 17: Foto linda, que mostra o final do 7C da penultima enfiada junto com o 8C duro da última parte. Lá no fim da rocha está a árvore que marca o fim da via. No detalhe com zoom dá pra ver a águia chilena pousada.

Terminei o 7C e mal conseguia acreditar que faltava uma pro final! eram exatamente 1:25hrs da tarde, eu havia mandado dois audios de watzap pra Tamires, minha esposa, um logo antes da 5ª enfiada e um logo após guiar o 7C. É muito engraçado ver a mudança do meu estado de espírito após esse intervalo de tempo de cerca de 1h. No primeiro momento eu tinha um tom de voz muito sério e preocupado, já no segundo eu não consigo esconder minha empolgação de estar tão próximo do fim.

escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 18: Fred escalando o 7C da 6ª e penúltima enfiada.

Ainda faltava a última parte da via, a princípio, a mais difícil, o 8C. A enfiada começa relativamente bem, numas agarras boas da placa vertical indo bem pra aresta. Após cerca de 3 costuras, é necessário virar para a direita e escalar na outra face da aresta. A transição é delicada e as proteções ficam sempre na face esquerda anterior, sendo assim, é preciso voltar para a placa anterior logo após escalar uns poucos metros. A enfiada segue pelo quartzito rosa enfrentando 2 crux seguidos de regletes batentes verticais, o primeiro mais difícil que o segundo. Vencido esses dois lances, tem um outro momento difícil, o qual gera dúvida entre ir pela esquerda ou tentar alcançar uma agarra invertida grande mais a direita em cima. O correto é ir reto/esquerda, blocando nos cristais grandes do meio da placa e ir alto numas agarras médias de mão esquerda.. eu fui pela direita e não consegui atravessar pra esquerda depois, peguei num cristal zela e ele quebrou na minha mão.. acabou sendo uma vaca de boa na parede vertical. O Fred guiou muito bem essa última enfiada, os cruxes foram passados com bastante cautela e atenção. Foi uma etapa bastante trabalhosa da via. Gastamos de 1,5hrs para vencer essa ultima etapa. Às 15:30 estávamos no cume.

escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 19: Fred e eu no cume após escalar a via "Torres del Pânico"


Hora de agradecer muito e sentir aquela leveza surreal, deixar relaxar os instintos e sentidos que estavam em plena atenção durante toda a extensão da via. A primeira vez que eu vi o tabuleiro na minha vida foi por volta de 2005, naquela época eu sequer imaginava se era possível pessoas escalarem aquela imensidão de pedra. Em outros momentos da vida, após meu inicio na escalada,  cruzei os olhos algumas vezes com o Tabuleiro.. é uma parede mística do montanhismo mineiro, e só de imaginar escalar aquela imensidão era algo que fazia o coração saltar pela boca. Sempre me lembro dos casos quase inacreditáveis das aventuras do Gustavo Viana, Mr. Bean, do Marcos Rufino, do próprio Fred e tantos outros que eu já tive a oportunidade de conversar e vislumbrar toda a vivência daquela experiência.

Ali naquele momento no cume esses pensamentos passavam pela minha cabeça junto com aquela vista linda de inverno, o céu muito límpido, a vegetação seca mas com várias espécies de plantas de diferentes cores e formas. Fiquei embasbacado por cerca duns 20 minutos, inundado de endorfina e sem conseguir digerir ainda tudo que havia sido vivido nas últimas horas. Quando nos recompomos foi hora de nos colocar em movimento novamente, em direção ao poço onde a cachoeira deságua no vazio.


Foto 20: Poço do cume do tabuleiro. Onde o curso d'água encontra o vazio da queda.

Retorno à Sede do Parque


A partir do cume, são 3 opções para voltar à sede do parque:

  1. Rapelando pela própria via Torres del Pânico e depois subindo a trilha oficial do parque novamente.
  2. Voltar apé, dando a volta pela direita de quem acabou de ficar em pé no cume e está de costas pro parque. Este é caminho apé oficial. É o mesmo utilizado pela galera que faz a travessia a pé "Lapinha -> Tabuleiro". Segundo informações, dura cerca de 3 horas essa caminhada do poço até a sede
  3. Voltar apé dando a volta pela esquerda, indo em direção ao vilarejo do Salto mas continuando sempre bem a esquerda, descendo novamente para o curso da cachoeira e pegando a trilha oficial do parque novamente e subindo para a sede Este é um caminho alternativo pouco utilizado.
Eu demonstrei logo que não queria descer rapelando de jeito nenhum. Minha cota de ficar de cadeirinha pendurado já tinha sido plenamente atendida. O Fred deu a ideia então do caminho menos convencional.. e assim fomos.

escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 22: Inicio da trilha de descida. Momento muito marcante da aventura.
Optamos por virar a esquerda e tentar pegar a trilha utilizada pelo pessoal da vila do Salto que dá acesso ao leito do rio

A trilha começou até bem marcada, mas logo nos vimos caminhando entre canelas de emas, cactos e arbustos... sorte que a vegetação de inverno permitia uma caminhada relativamente tranquila. Logo bateu uma sensação de dúvida mas continuamos tocando rumo a uma elevação que nos permitiria ver melhor no rumo. Ao chegar na elevação, conseguimos enxergar bem abaixo a trilha que nos levaria para o leito do rio, o qual era nosso objetivo antes da sede do parque. 
escalada na via torres del pânico no tabuleiro minas gerais
Foto 23: nossa vista do ponto alto que procuramos para tentar achar a trilha exata que precisávamos. Dava pra ver a trilha lá embaixo, mas antes, precisaríamos descer a ribanceira logo aqui na frente.

Foto 24: Vista da ribanceira que descemos escalaminhando. Do poço do cume até a sede do parque, gastamos menos de 2 horas andando. Não foi tão demorada quanto a outra trilha, mas é uma caminhada bem difícil.

O problema era que para alcançar esta trilha, teríamos que vencer uma "desescalaminhada" trabalhosa por um mar de blocos grandes, guiados por pequenos totens bem precários, feito pelas poucas pessoas que passam ali de vez enquanto. Pirambeira de pedra, quase uma falésia, na foto anterior da pra ver bem o percurso de desescalaminhada que fizemos. Fazer esse caminho no escuro guiado por totens, ou com mochila pesada teria sido muito difícil. Como estávamos leves e o dia anda estava bem claro, desenvolvemos bem ladeira abaixo, e logo nos vimos na trilha do leito do rio. Ali sim baixou aquele espirito de obrigado universo, tudo deu certo.

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Figura 25: Chegada no leito do rio. Tudo certo.. sãos e salvos.. alegria alegria.. obrigado Tabuleiro



Valeu Fred

Subimos eufóricos pela trilha oficial do parque, chegamos na sede as 18:30. Hoje essa trilha de subida é toda feita por bons degraus de madeira ou de concreto. Foi ótimos subir todo aquele caminho íngreme novamente.. cheio de dor no corpo, cansaço e aquele sorriso bobo no rosto. Pra completar tudo, era o dia dum eclipse único.. era 27 de julho de 2018, a terra estava entre o sol e a lua, todos os planetas alinhados para uma grande aventura. Que dia. 

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Via "Clandestino" - Serra da Cambota MG

Via Clandestino - 180mts - 6º VIIa E3 D1

Local: Serra da Cambota - Barão de Cocais MG


No último dia 28/01 tive o prazer de reviver boas aventuras no clássico Cambotas. Me juntei ao Fred Moreira e fomos num bate volta tentar o cume pela rota mais repetida do local: Via Clandestino.

Desde minhas primeiras idas ao Cambotas, sempre houve essa ideia em mente: experimentar essa via linda que corta o maciço bem pelo meio, remando mundo a fora naquele mar de quartzito laranja. Quem não qué, José??

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Via Clandestino - Cambotas MG

Relato da escalada:

Domingão acordei as 5, encontrei com o Morão no BH shopping as 6 e rachamos fora.. indo por Sabará, Caeté.. estrada de terra e.. Cambotas! Fomos muito bem recebidos pelo pessoal do Canela de Ema e começamos logo a trilha. (obs.: quem quer escalar no cambotas e não conhece o local, veja o post com todos os betas de lá: http://pedrasgerais.blogspot.com.br/2015/06/via-quadrado-magico-serra-do-cambotas-mg.html)

A trilha estava muito boa, aberta e com a vegetação intensa devido ao período chuvoso. O tempo nublado estava cooperando bastante e ir só com o equipamento de ataque ao cume ajudou a caminhada ser bem rápida. Menos de 40 min estávamos na base da via, 9:15h começamos a escalada.

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Fred e eu na trilha. 40 min até a base

A via são 5 ou 6 enfiadas, a última dependendo do ânimo pode ser emendada com a 5ª. São necessárias 13 costuras longas (beta importante: leve pelo menos duas de 1 metro, umas 3 menores pode até ser, e o resto de 40cm pra mais. Escalar a via só com costuras curtas seria bem ruim). Uns 2 ou 3 friends médios é bem recomendado pra 5ª e 6ª enfiada.
Seria possível escalar somente com uma corda de 60, porém, o rapel pela via de descida (ecdemomania) necessita duas cordas de 60mts. Então... leve-as... rapelar pela Clandestino é fácil somente até a segunda enfiada. De lá pra cima a via faz uma diagonal na 3ª e depois um negativo na 4ª.. ou seja, rapel ali é roubada.

Fora isso é uma mythos no pé, capacete, água, paçoquinha e uma proteção pro sol.. Pois uma regra no Cambotas não falha: o sol depois do meio dia arregaça o peão.

Encontrar a base da via é fácil. A partir do setor principal da entrada, caminhe 100 metros em direção ao setor felinas e a base já é lá. Olhando pra cima estará o inicio do risco do "A" do Arco da Santa Vitamina. A cor da parede no local é bem cinza, e não laranja.

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Primeira enfiada da via Clandestino - Cambotas MG

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Primeira parada da via Clandestino. O Fred está lá no fundo da foto pois errou a primeira parada.. acabou indo muito pra direita.

A primeira enfiada é um 6 grau. Vertical, alguns lances em agarras menores mas nada muito exigente. Bem bacana. A parada é num platô enorme inconfundível; ela estará mais a esquerda.
A segunda enfiada é a melhor da via! Um 6º grau num vertical laranjadão, bem protegido. Esta enfiada tende um pouco pra direita e termina bem na quina do "A" do arco.

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Fred vindo pela segunda enfiada da via

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Fred se juntando a mim na 2ª parada da via Clandestino.
Dali segue a 3ª parte da via. Aquilo lá já não é uma escalada que se acha facilmente por aí. A via segue na diagonal à esquerda, subindo na laje do teto acima da parada e seguindo um tubo de pedra de cerca de 1 metro de largura por 60 cm de profundidade. Ele não é grande o suficiente pra te caber dentro dele bem posicionado. Daí você fica meio fora e meio dentro, indo numa movimentação lateral utilizando a borda de baixo e desviando a cabeça da borda de cima. É bem diferente. Bem interessante. Essa enfiada desde os primeiros lances já requer uma tranquilidade mental bem maior.

O fim desta etapa é num platô enorme. Bom pra comer, beber água e recuperar o fôlego se necessário. Dali começa a enfiada com o crux de resista de força. O início é uma travessia lateral longa (+-12m), até virar atrás da aresta à esquerda. Antes de virar a aresta dá pra costurar duas chapas, e na outra face a via segue verticalmente, aí que dá a merda se você não tiver colocado uma fita gigante na primeira chapa e não tiver mais uma pra colocar na 3ª proteção. Coloquei uma fita de 40cm na 3ª e uma de 1,2m na 1ª... deu arraste pra cacete por causa da fita curta na 3ª... foi muito agachamento pra terminar o mar de agarrão no levemente negativo. O crux é uma seção bem definida no primeiro negativo. As agarras são boas, a questão é realmente manter a calma e ir movimentando bem ao longo dos agarrões.. vários parecem que vão arrancar na mão. Vá com calma.

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Eu na 4ª parada enquanto o Fred ia trabalhando o crux.

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Eu na 4ª parada com a cara toda suja de terra.. o arraste da corda me atrapalhou muito nesta guiada.

Dali pra frente, a 5ª e 6ª parte já são um estilo aproximação final com mato e alguns lances de escalada que é recomendável proteger com friends.

O cume estava bonito pra caramba..vista da Serra da Piedade e da serra do Caraça. Era a última folha do livro de cume... foi legal ver assinaturas antigas. O Fred tinha várias. Eu encontrei a minha de 2015 com meus parceiros Tigrão e Pastor, pela Aresta. Êta vida boa!

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Cume do Cambotas! Rurul!

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Assinando o livro de cume. Última página! Sorte.

De lá seguimos pro ponto de rapel. Pra achar o ponto de descida, faça o seguinte: ficando em pé no cume, olhando de frente pra sede do cambotas, siga pra sua diagonal direita pra frente (nordeste). Cerca de 200 metros abaixo, a parada estará lá, marcada com fita reflexiva e tudo mais, duas chapas com argolas.

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Descendo pro ponto de rapel.

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Ponto de rapel do cume principal do Cambotas


Um rapel de 30 metros te leva na base de uma grande fenda. A partir de lá, 2 rapéis de 60 metros te levarão até a base.

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Descendooo




Valeu Fred, valeu Cambotas. 

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Escalada esportiva no México

México rock climbing trip

El Potrero Chico e El Salto


O México é hoje um pólo da escalada esportiva mundial, sendo a região nordeste do país a mais tradicional. Monterrey é a principal cidade para receber os viajantes internacionais, localizada a 50km de distância dos dois melhores picos mexicanos: El Potrero Chico (EPC) e El Salto.

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Vista de trás do maciço principal de El Potrero Chico. A parte laranja é todo o setor Outrage Wall, um dos melhores do pico para vias esportivas.

O primeiro subcume à esquerda é o sertor Timewave Buttres,onde começa uma das vias longas mais tradicionais: Timewave Zero, 23 enfiadas que levam ao cume chamado El Toro, o mais alto do maciço.

El Potrero Chico (EPC)

O grande diferencial oferecido no México é certamente as vias longas de "El Potrero Chico", onde com um material simples (20 costuras) é possível escaladas incríveis de 100 - 600 metros muito bem protegidas. O calcário da região torna a escalada bastante prazerosa, oferecendo uma boa variedade de agarras e pouca sensação de sair escorrendo pedra abaixo como nos tradicionais slabs de granito. Outro fator atrativo da região é a facilidade da logística: A caminhada para a maioria dos setores é mínima, o material necessário é mínimo, pois, as enfiadas são praticamente sempre de 30 metros, o que possibilita a escalada somente com uma corda de 60, e como já dito, a oferta de vias de proteção fixa é predominante na região.

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Iniciando a guiada da 5ª enfiada da via Snot Girls. Uma das mais classicas do pico. Esta 5ª parte é muito incrível: escalada em lacas que me fez imaginar estar no Yosemite

A temporada da região começa em novembro e vai até março, com períodos de frio intenso perto da virada do ano, havendo inclusive registros de neve em algumas ocasiões. Durante a temporada quente, é melhor não insistir em visitar o local, pois a incidência do sol atrapalha muito a escalada, tanto em Potrero quanto em El Salto.

No geral, EPC não é muito recomendado para escaladores muito fortes, há poucas opções de 9º (br) e praticamente nenhum 10º. Por outro lado, o pico é o paraíso para os inciantes; são incontáveis vias de 5º e 6º grau. Com relação as vias multipitch, considero o fator grau bem menos relevante, as experiencias são muito válidas independente do nível de dificuldade da via. No entanto, vale dizer que a maioria das opções são totalmente factíveis para quem está abaixo do 8º (br). Pode ser necessário em alguns casos dar aquela ajudinha na costura, mas agarrado na parede ninguém ficará.

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Final da 4ª enfiada da via Space Boys. A via inicia-se no banco da praça do "clube" situado na base do maciço. Logística muito simples para uma aventura muito recompensadora.

Chegar em Potrero a partir de Monterrey é simples, são apenas 50 km de distância. A "La Posada" faz serviços de transfer por um preço razoável (aproximadamente 200 reais), se não estiver sozinho, esta é uma boa opção, pois é possível meiar esse valor. Há também serviços de ônibus para Hidalgo - vilarejo colado em Potrero (5km a pé). Alugar carro torna tudo muito fácil, no entanto, considerando as distâncias de apenas ~1km dos locais de hospedagem até os setores, um carro em Potrero Chico torna-se um luxo. A vantagem certamente é poder ir até os marcados de Hidalgo (5km) com facilidade. Vale citar que alugar carro no México é uma "roubada", pois, o seguro padrão oferecido no momento das reservas pela internet é bem resumido, e o seguro completo oferecido no guichê é cerca de 2 vezes o preço do aluguel. Não faz o menor sentido. 

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Cume da via Snot Girls

Assim que se chega em Potrero o impacto visual do maciço é muito forte. Ficar simplesmente matando o tempo curtindo a imponência da montanha já é bem relaxante. Eu fiquei por dias na região e não consegui me acostumar com o visual de calcário infinito.

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Gilberto, Tamires, Fernanda, Felipinho e o visual incrível do maciço de El Potrero Chico visto do estacionamento da hospedaria "La Posada".

Os setores de escalada estão divididos basicamente em dois grandes grupos: A metade leste e a metade oeste, tomando como referencia a estrada que o corta a montanha ao meio. 90% dos setores são bem proximos um do outro e também da estrada. É possível variar os locais de escalada ao longo do dia sem problemas.

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Tamires Vargas iniciando a guiada da 4ª enfiada da via "El Sandero Diablo". Desafio incrível nas paredes laranjadas do setor Outrage Wall. Esta foi uma das vias que mais gostei de fazer em El Potrero Chico.

Resumindo minha experiencia e betas de El Potrero Chico, eu diria o seguinte:

A escalada e o visual da região são surpreendentes. A quantidade de vias é muito boa, mas a oferta de vias de 8º possíveis de escalar na sombra durante o período de 11am - 15pm deixou um pouco a desejar (depende também da quantidades de dias que você ficará no local). Em épocas frias isto não é problema pois o sol praticamente não irá atrapalhar.
A viagem em geral é barata, principalmente para quem estiver disposto a acampar. Comida e hospedagem não são caras, mas também não há muitas opções. O principal ponto a se levar e consideração para ir ou não ao México, é o intuito da viagem. Se o foco é a escalda, o Mexico é uma ótima opção, se o intuito é climb + turistagem, melhor repensar, pois, basicamente a única coisa que há pra fazer após o dia de climb é ir para o restaurante da "La Posada" - principal hospedaria do local. Fora isto, praticamente nada é ofertado, exceto um ou outro boteco. Se o intuito da viagem é focado no climb, isto não é problema, mas pra quem procura maior diversidade de atividades, eu não recomendaria o local.

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Jantando num dos poucos restaurantes disponíveis em El Potrero Chico. Comida mexicana clássica: tacos, burritos, tostadas etc.. oferece inclusive muitas opções veggies pros interessados.

Apresentado o ponto menos atrativo de Potrero, vamos agora ao melhor que a região oferece: Vias multipich incríveis, com linhas maravilhosas e cumes muito bacanas!

Até viajar para EPC, minha esposa e eu havíamos escalado algumas vias multipich na vida, mas nossa praia sempre foi o mundo prático das esportivas. Chegando em El Potrero, logo no primeiro contato com uma via de apenas 3 enfiadas nós fomos tomados completamente pelo desejo de experimentar todas aquelas linhas lindas, indo aos vários subcumes do maciço principal. Cada via oferece uma série de desafios muito variados; positivos de agarras, verticais de fendas, diedros, leves negativos etc... e tudo sempre relativamente bem protegido (comparando ao padrão das multipich brasileiras que são sempre beeem esticadas).

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Tamires Vargas chegando ao final da 2ª enfiada da via Las Estrellitas. Esta via é bastante classica e chega num cume bem bacana; outra vantagem é que o rapel é pela parte de trás e é bem curto (4 reapeladas somente). É uma boa opção pra inciantes, pois o nível de escalada exigido é bem tranquilo.

Um dos aspectos mais interessantes é a evolução na parceria da dupla de escaladores. A melhoria na logística e nos procedimentos é fundamental e bastante natural ao longo dos dias de escalada. A cada enfiada são descobertos pequenos detalhes para facilitar a comunicação e ganhar agilidade, esse processo é muito gratificante. Após alguns dias, atingir os cumes passa a ser uma atividade normal, e o prazer na escalada só aumenta. Isto é claro se a parceria for ponta firme, e nisto, não há nada que eu possa reclamar da minha parceira incrível.

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Experimentando as esportivas do setor Las Estrellas. Escalada vertical em regletes e muita movimentação técnica. Este setor oferece vários 8º (br) incríveis.

A experiência em Potrero acrescentou muito para minha escalada, a tranquilidade do local proporcionou uma viagem muito relaxante. Os mexicanos são pessoas muito amigáveis, masss... muito barulhentas também. Adoram musica alta (tipo um sertanejo bregasso) e curtem muito uma cerveja; até aí tudo bem, mas espalham as latinhas e bitucas de cigarro pra tudo que é canto. Nada muito diferente do nosso Brasil, mas como os setores são muito próximos da civilização, esse fator desagradável acentua-se.

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Gilberto Silva no fim do diedro da via Don Quixote. Um diedro liseba que deu um espanco na turma toda. Pra quem curte uma tecnera, sintam-se a vontade.

Potrero Chico ainda conta com uma atração bastante singular: O Trailer do Edgardo. O acostamento da estrada entre as duas faces do maciço é bastante amplo, e ali, todo dia por volta das 15 horas chega o singular trailer do maior empreendedor de Hidalgo e região, cujo nome é Edgardo. Esse cara faz parte dos conquistadores e desenvolvedores do pico; já escalou praticamente tudo na região e vive da renda de prestar todos os serviços que os turistas escaladores precisam: venda de equipamentos básicos, ressola de sapatilha, cerveja artesanal, pizza, câmbio e tudo mais que um escalador necessite. Lá é o ponto de encontro do fim de tarde. Lugar excelente pra conversar com pessoas de todo canto do mundo. A maioria dos frequentadores são dos EUA e Canada.

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Gilberto, Tamires e Pedro curtindo o fim de climb no trailer do Edgardo. Esse cara é a vibe de Potrero.

Os principias setores de escalada esportiva são:

Surf Bowl: Caminhada puxada pro nível da região: 15-25 min subida íngreme. Um setor bem pequeno de escalada em tufas levemente negativas. A maioria das vias é de 8/9 grau (br). Há apenas cerca de 8 vias neste setor, mas são todas muito boas. Em dias quentes, é melhor evitar este setor no período de 11am - 14pm devido a incidência do sol.
Outrage Wall: Setor incrível para as esportivas. Calcário laranjado maravilhoso. Sofre muita incidência do sol, logo, só é recomendado no inverno ou em dias nublados.
Las Estrellas: Contém uma boa quantidade de vias verticais de regletes. Ótimas opções de 8 grau (br)
Virgin Canyon: Este setor oferece sombra o dia todo, no entanto, praticamente todas as vias são do mesmo estilo: vertical levemente positivo; e a grande maioria são vias de 6º grau.

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Testando os negativos de tufas e lacas do setor surf bowl. Escalada bem parecida com El Salto neste setor.

Sobre as vias multipitch, não há um setor específico a procurar. Todos os setores oferecem no mínimo uma via muito clássica a qual sempre termina num cume bem bacana. As que eu indicaria sem dúvida seriam as clássicas Space Boys e Snot Girls, além da El Sandero Diablo. Todas estas são experiencias sensacionais que por si só já valem uma climbtrip.

Com relação a hospedagem, Potrero Chico oferece algumas opções. Os preços variam, mas em média, gasta-se 75 reais por dia pra cada pessoa, isto para ficar em pequenas casas ou quartos duplos.
O local mais famoso é certamente o La Posada, no entanto, o que eu mais recomendo é o chalé disponível pelo airbnb (https://pt.airbnb.com/rooms/9127588?). Essa cabana fica de frente para a montanha, num visual incrível. Não oferece internet nem geladeira.. é um ótimo lugar pra se desligar total do mundo e viver somente as aventuras da imensidão de calcário.

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Cabana disponivel pelo airbnb (link no texto acima)

El Salto


Chegar em El Salto a partir de Monterrey é um pouco mais complicado do que ir para Potrero. A vila de El Salto se chama Cienega de Gonzales. Não adianta procurar por informações do lugarejo, pois praticamente ninguém em Monterrey irá saber do que se trata. Se um carro alugado não estiver disponível, o ideal será procurar antecipadamente na internet por taxis que façam o serviço de transfer. Uma vez em "El Salto", o carro é totalmente desnecessário. Ir para setores só é possível a pé e o vilarejo não oferece nada que justifique o uso de um.

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Trilha que leva aos setores Las Animas e Tecolote Cave. Caminhada tranquila num visual alucinante.

A hospedaria principal dos escaladores em El Salto é a da Dona Kika. Trata-se de uma pequena mercearia na beira da rua principal com algumas casinhas de aluguel ao fundo. É bem localizada entre o início das duas trilhas que levam aos setores La Boca e Las Animas + Cueva. A Dona Kika oferece camping e casas de aluguel para até 8 pessoas. O preço é combinado na hora e geralmente cobra-se por pessoa, e não pela casa. O beta é tentar locar o chale superior, de madeira, que é bem bacana e bem cuidado, pois, a casa que ela oferece na parte de baixo é velha e mais zela.

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Chalé disponível para temporada na Dona Kika.

A região de Cienega de Gonzales é turística nos finais de semana. São vários vilarejos espalhados ao longo da região extremamente montanhosa. A altitude é elevada e a temperatura é consideravelmente mais baixa que Potrero Chico. Nos finais de semana o volume de turistas locais é intenso, e a maioria utiliza quadricículos ou pequenos jipes 4x4 extremamente barulhentos e desagradáveis. O setor de escalada principal, Las Animas, fica bem próximo da trilha desses offroads, o que torna a escalada durante os finais de semana um tumulto definitivamente.

Agora falando do que interessa: Escalada! Saindo da hospedagem da Dona Kika, são cerca de 20/25 minutos de caminhada leve até o melhor setor: Las Animas. As vias ficam ao lado da estrada, é impossível não vê-lo. É o maior número de vias incríveis juntas que ue já vi na vida! Ao total são cerca de 45 vias, pude experimentar umas 8, e nenhuma foi sequer mais o menos, todas eram espetaculares! A parede é vertical levemente negativa, com um mix de tufas, regletes e lacas em sequencias incríveis, apertando e aliviando ao longo da escalada. Ali, a oferta de 8º, 9º e 10º (br) é bem farta. Para escaladores que queiram focar em cadenas esportivas, El Salto é mais interessante que Potrero, no entanto, o visual e a vibe de Potrero é bem mais atraente que El Salto (mais turistas em Potrero, trailer do Edgardo, visual de calcário infinito, etc... ). Mas no quesito escalada esportiva; El Salto é sem igual.

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Voltando da trilha da Tecolote Cave, na foto estamos passando pelo setor Las Animas. Este é o melhor setor de El Salto, possui a maior concentração de vias incríveis por m² que eu já vi na vida.

O setor Cueva del Tecolote é trabalhoso de se chegar. São cerca de 45 minutos de caminhada. Siga direto na trilha do setor Las animas, e,  cerca de +-800 metros canyon abaixo você irá vê-lo à sua direita, no alto (guarde bem esse beta, não é ao lado da estrada igual ao Las Animas). A caverna fica parcialmente escondida pela vegetação no topo de um costão à direita. A entrada da pequena trilha que dá acesso é bem discreta. Uma vez lá, as vias hard de teto e tufa estarão ao seu dispor. A via mais clássica do local é a Nosferatus, um 8c (br) de resistência de negativo bem interessante. Foi a única via que experimentei no local, pois, erramos a trilha de acesso e já chegamos  mais mortos do que vivos.

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Gilberto Silva escalando a via Nosferatus na Tecolote Cave

O setor La Boca não visitei, mas aparentemente se parece com o Las Animas, com uma oferta maior de vias de 6/7º.

Os canyons da região são muito bonitos, e ainda oferecem um potencial para desenvolvimento da escalada. O setor Las Animas em si já vale a visita sem sombras de dúvidas. Vale dizer também que a grampeação do local é muito boa. Muitas vias de grampos químicos, costuras permanentes, tops duplos de boa qualidade. Um belo trabalho dos conquistadores.

Um bom blog para conseguir croquis e betas da região é o seguinte: http://climbing-mexico.over-blog.com/el-salto





Autor do post: Gilberto Martins Assunção Valadares da Silva